Caro Lorenzo,
Tal como tu, sou um jovem residente em Portugal. Infelizmente, não comungo das tuas possibilidades financeiras ou do teu estilo de vida. A diferença entre mim e a senhora que te entrevistou é que não acho que a culpa disso seja tua. Sabes? Durante tempo demais, Portugal tem sido palco de uma festa maior, mais dispendiosa e certamente menos ética do que a que motivou a tua entrevista de ontem. Durante quase quarenta anos, temos sido convencidos de que a nossa vida seria melhor com mais Estado. Fomos convencidos de que a vida era mais segura se o Estado sujeitasse os nossos restaurantes a um sem-número de regulações, mesmo que isso significasse a hecatombe de tantas das nossas mais nobres tradições gastronómicas. Fomos convencidos de que a vida era mais fácil se o Estado dominasse o sistema educativo, determinando escolas, contratações, currículos e programas de forma monolítica e retirando qualquer espaço para a livre-escolha das famílias. Fomos convencidos de que a vida era mais justa se o Estado detivesse um maior poder: deixámos que o Estado subsidiasse ou sobretaxasse empresas ao sabor da vontade - e da corrupção - dos burocratas; fomos complacentes com a estatização de um sector cultural que deixou de ser livre para se ver agrilhoado às cada vez mais diminutas subvenções governamentais; permitimos que o Leviatã crucificasse fiscalmente as instituições particulares de solidariedade social até atingir um regime de quase-monopólio da acção social que, por estar tão distante dos problemas, é mais susceptível à fraude e ignora tantas vezes quem realmente precisa em prol de quem explora as falhas do sistema.

Quanto à senhora que conduziu a tua entrevista, - a mesma que se mostrou tão chocada com a tua ostentação - foi convidada de honra desta festa. Enquanto funcionária da RTP, ficou a dever as suas principescas condições de trabalho às avultadas somas que o contribuinte foi sendo intimado a transferir para a empresa pública (só nos últimos quatro anos, foram mais de 1,5 mil milhões de euros, entre transferências de capital, indemnizações compensatórias e contribuições do audiovisual).
É um orçamento simpático para uma festa, não te parece? E sabes qual é a pior parte? É que, ao contrário da tua, esta foi sendo paga com o dinheiro dos outros. E vai continuar a ser paga com o dinheiro de "outros" como eu e de "outros" que ainda não nasceram, mas cujo futuro foi hipotecado por gente sem bom-senso, sem vergonha e sem respeito pela propriedade alheia.

Talvez o problema seja mesmo esse: a incapacidade de compreender o conceito de propriedade. Talvez eles sejam mesmo incapazes de perceber que o dinheiro que estão a gerir não é do Estado, é do contribuinte, que o dinheiro que estão a criticar não passa a ser deles porque tu tens bastante. Mas se isso serve de explicação, dificilmente servirá de desculpa. Nem para quem organizou a festa, nem para quem compareceu. E, muito menos, para quem escolheu sucessivamente os mesmos organizadores apesar de não faltarem evidências da sua mediocridade.

Sabes? No meu curto tempo de vida, tenho visto a minha geração ser usada como arma de arremesso demasiadas vezes. Não fomos tidos nem achados na escolha dos moldes em que a festa se fez e nunca fomos convidados para comparecer: os interesses corporativos de alguns professores barraram-nos à entrada quando clamávamos por uma verdadeira reforma no sector educativo; a rigidez laboral que protege a incompetência desde que ela seja respaldada pelo critério da antiguidade fintou no bar os que de nós conseguiram entrar, ao mesmo tempo que alguém alardeava o nosso estatuto de "geração mais preparada de sempre". Vimo-nos à porta da festa que alguém organizou com os salários que esperamos vir a ganhar um dia, a braços com uma monumental ressaca cuja única cura parece ser a emigração que nos separa das nossas famílias e da nossa Pátria. Mas aos responsáveis pelo nosso estado presente, ainda sobra lata para te culpar a ti e aos que, como tu, triunfaram na vida pela nossa situação.
Ontem, conheceste o pior de Portugal. Conheceste o País onde a riqueza é motivo de inveja e estigma social. Conheceste o País onde se incentiva a mediocridade, se ridiculariza o sucesso e se institui o igualitarismo e a redistribuição. Conheceste o País onde quem festejou com o dinheiro alheio se acha no direito de cobrar o teu.

Enquanto estiveres por cá, os teus rendimentos vão ser confiscados a taxas superiores do que os dos outros, porque se entende que a ostentação é obscena e a riqueza não é uma ambição legítima. Vai ser-te pedido que pagues uma sobretaxa de solidariedade e, se decidires ajudar a nossa economia comprando bens de luxo por cá, vamos taxar-te ainda mais. Mais do que te taxaríamos se comprasses outros bens, porque por cá, achamos que nos cabe decidir o que tu deves ou não comprar. Pelo caminho, vais ser julgado, criticado, enxovalhado. Afinal, ninguém mandou a tua família constituir riqueza. Ninguém mandou os teus pais sonhar em deixar-te mais do que receberam dos pais deles. E ninguém te mandou ajudar a nossa economia estabelecendo-te por cá. Porque, no fundo, eles acham que a culpa é toda de pessoas como tu e a tua família. Que a culpa é de quem tem e festeja, nunca de quem festejou com dinheiro que não tem. Esses não são enxovalhados em entrevistas, conduzem programas de comentário. Porque afinal, a ressaca não é para todos.