Dos Homens e dos Deuses (2010) é um dos filmes mais notáveis que vi nos últimos anos. É também um grandioso hino à fidelidade, o que, nos dias que correm, não é coisa pouca. 

O filme revolve em torno da história verídica de uma comunidade de monges trapistas, incrustada em plena Argélia. Percorre os seus ritmos de oração, a rotina esmagadora de um dispensário hospitalar, a relação com as comunidades muçulmanas que vivem em torno do mosteiro. Durante todo o tempo do filme, pende sobre os monges a ameaça letal do fundamentalismo islâmico. Sucessivamente, chegam notícias de atentados, execuções públicas e conversões forçadas. Confrontados com a escolha entre partir e ficar, cada um dos monges atravessa o seu próprio Getsémani. No fim, todos decidem ficar, sabendo que tal significará, com toda a probabilidade, a morte. 

É nesse momento, em que tudo está consumado, que surge esta cena extraordinária. A comunidade à volta da mesa, para tomar a Última Ceia; o Lago dos Cisnes de Tchaikovsky a ressoar; a aceitação plácida do cálice e de tudo o que ele significa. Durante cinco minutos, os monges trocam olhares, engolem hesitações, despedem-se com lágrimas serenas, gargalhadas incrédulas e sorrisos de aceitação. Não sei como se filma uma coisa destas. Não sei como se pode dizer tanto, numa cena muda. Podia ser Estêvão, o primeiro Mártir, ali à mesa, com o Padre Maximiliano Kolbe, morto em Auschwitz para salvar outros. Ou Paulo Miki, o mártir do Japão, ou Catarina de Alexandria, ou Inês de Roma, ou o Cardeal Van Thuan, fechado numa masmorra vietnamita. Faz-nos bem olhar para estes rostos na iminência da Quaresma. São os rostos de quem não tem nada a perder, porque tem tudo a ganhar.