Publicado no Panorama.

Quando não está entretida a decretar o fim da austeridade, a gastar centenas de milhares de euros em faqueiros incompletos ou a apelidar democraticamente a oposição de “raivosa”, a espécie de governo que nos calhou em sorte tem-se especializado na reversão de tudo quanto tenha sido feito pelo executivo anterior. Tome-se, por exemplo, o caso da educação. Para Ministro, António Costa recrutou um doutorado em bioquímica que residia há 15 anos no estrangeiro e não entrava numa escola desde que concluiu o ensino secundário. É certo que, por se ter especializado na investigação sobre o cancro, Tiago Brandão Rodrigues parece invulgarmente qualificado para lidar com o Ministério que lhe foi atribuído. Tragicamente, escolheu para principal conselheiro Mário Nogueira, que se assemelha perigosamente a um tumor maligno do sector.



Ainda o Ministro não era Ministro e já as esquerdas parlamentares aboliam os exames do 4º ano. António Costa jurava então que “o programa de governo é muito claro” e que os exames do 6º ano eram para manter. Foi sol de pouca dura. Volvido um mês, Brandão Rodrigues veio anunciar o óbito de ambos os exames e a sua substituição por provas de aferição realizadas a meio do ciclo de ensino, sem qualquer impacto na classificação dos alunos. A Confederação das Associações de Pais manifestou dúvidas face à eficácia de testes sem valor vinculativo. O Conselho Nacional de Educação criticou a opção pela avaliação intercalar, que esvazia os testes de significado e impede a aferição, necessariamente feita no final de cada ciclo de ensino, e não a meio. Milhares de professores abismaram-se com a adopção de alterações tão profundas em Janeiro, depois de três meses de aulas. Democrata como Luís XIV, o Ministro avisou que “quem governa somos nós”. E, para que fique bem claro, governar significa acatar os conselhos pedagógicos de Catarina Martins, patrona da “escola feliz” desde que sem exames, e do professor Mário Nogueira, que fala de educação com a propriedade de quem entrou numa sala de aulas pela última vez quando o Ministro ainda era menor de idade.

De seguida, na ânsia sôfrega do processo revisionista em curso, deparou-se o Ministro com a questão da autonomia das escolas. Com Nuno Crato, abrira-se espaço a que a direcção de cada escola estabelecesse critérios próprios de contratação, em vez de se limitar a receber os professores atribuídos pelo Ministério. Brandão Rodrigues poderia ter aprofundado este modelo, entregando às escolas públicas instrumentos de gestão semelhantes aos das escolas privadas, em benefício da concorrência justa. Em vez disso, preferiu desfazer as reformas do seu predecessor e reforçar a centralização das contratações. Ao abolir as Bolsas de Contratação de Escola, prejudica quem mais beneficiava delas: escolas públicas com contratos de autonomia e escolas situadas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), com contextos socioeconómicos difíceis.

Em apenas dois meses, Brandão Rodrigues tornou-se depositário do pior do experimentalismo pedagógico e do radicalismo ideológico. À Comissão Parlamentar de Educação, repetiu que “a cultura da nota é nociva” e cria “uma escola selectiva”. Trocado por miúdos, o Ministro prefere uma escola sem avaliação, porque a avaliação diferencia e a diferenciação perverte. Prefere também uma escola pública monolítica e centralista, capitaneada a partir do seu gabinete, do que um modelo descentralizado, adaptado às necessidades de cada comunidade. Entre o reconhecimento do mérito e o igualitarismo, a diversidade e a uniformização, vai escolhendo o caminho que os sindicatos prescreverem e a esquerda radical consentir. A mensagem oficial é a do nivelamento por baixo. As famílias mais abastadas responderão inscrevendo os filhos em escolas privadas e explicações complementares. As restantes, inteiramente dependentes da escola pública, são os danos colaterais de uma política feita em seu nome, mas que as condena.