Caro professor,

Antes de mais, permita-me que lhe dirija o meu mais sentido agradecimento. Escrevo-lhe esta carta porque fui afortunado o suficiente para me cruzar com colegas seus. Professores determinados que me ensinaram a escrever, a sentir e, mais do que qualquer outra coisa, a pensar. Sei que a maior parte dos docentes do nosso País é feita desta fibra: gente que não quebra, que nunca desistiu de um aluno, que abdica voluntária e diariamente do seu tempo e do seu dinheiro para melhor servir os jovens Portugueses, sem por isso esperar qualquer contrapartida.

Para além de aluno, sou filho de professores. Conheço a frustração de quem sente fugirem-lhe por entre os dedos os meios de que precisa para educar as gerações futuras. Mas aprendi a adivinhar nos olhos de cada docente a vontade inquebrável de quem não permite que a dureza dos cortes interfira com a qualidade do seu trabalho. Quando, há dois anos, a gestão irresponsável dos sucessivos governos obrigou Portugal a sujeitar-se à humilhação de ter de pedir ajuda externa para pagar salários aos funcionários públicos e pensões aos reformados, ninguém ficou satisfeito com as contrapartidas exigidas, mas a maior parte das pessoas compreendeu que algo de muito errado se tinha passado. Quando uma Educação que se diz pública e gratuita acarreta – como acarretava, em 2010, a Portuguesa – uma despesa superior a 809 euros per capita, dita o senso comum que existe margem e, mais do que isso, existe a necessidade de cortar, não para pôr em causa o serviço público de Educação, mas para o tornar justo e sustentável.

Caro professor, não duvide que dizer-se professor Português hoje é um motivo de orgulho. Os docentes entenderam com um espírito patriótico inigualável que era necessário fazer sacrifícios e que os sacrifícios teriam de passar, em parte, pela sua actividade profissional. E, a cada medida anunciada pelo Governo, a tendência tornava-se mais evidente: os sindicatos respondiam irados, os professores reagiam como heróis. Porém, por muito que se depreenda a emergência da situação nacional, é difícil aceitar todas as medidas que estão a ser postas em prática. É devastador ver a nossa Nação multi-secular agrilhoada à necessidade da ajuda externa. E porventura, tudo isto será ainda mais penoso para uma classe profissional que, incumbida de preparar o futuro do País, se sente incapaz de o imaginar mais animador do que o presente.

Compreendo, caro professor, a revolta que os docentes alimentam. Mais do que isso, compreendo mesmo a incapacidade que sentem de fazer ouvir as vossas vozes. Mas a impotência que tantos docentes sentem é, há que dizê-lo, em grande medida, responsabilidade do movimento sindical. Os sindicatos Portugueses não compreendem, ao contrário dos professores, a importância de uma greve: os docentes sabem que a greve é um instrumento de último recurso, a expressão máxima do protesto de um trabalhador, o momento em que o obreiro procura forçar a entidade empregadora a optar entre o vigor do seu trabalho e as condições que se procura reverter. Os professores, que são pragmáticos e responsáveis, sabem que a greve é uma arma que deve ser usada em situações muito específicas e com objectivos muito claros. Os sindicalistas, que são contestatários de carreira, interessados apenas em legitimar nas ruas uma agenda política chumbada nas urnas, preferiram usar e abusar deste recurso, fazer dos seus associados joguetes num tabuleiro político de terceira categoria e banalizar a greve, despindo-a do seu impacto original ao mesmo tempo que explicavam aos seus associados com assinalável cinismo que se “esgotaram todas as formas de luta”.

Mas, caro professor, por muito incapaz que se sinta de fazer chegar a sua voz ao Ministério, fazer greve aos Exames Nacionais não é a opção mais sensata. Alinhar com uma greve aos exames neste momento e nestas condições não demonstra à opinião pública que os docentes preferem que a mobilidade especial seja aplicada de outra forma ou que é impossível ensinar uma turma com 30 alunos. Porque esta é uma greve cega, uma greve autista, uma greve convocada sem objectivos específicos que não a demissão do Governo e a tão famigerada “mudança de política”. Esta greve esgota-se na verborreia ideológica e olvida as reivindicações práticas dos docentes. Esta greve é convocada por sindicalistas que nunca se sentaram à mesa com o Executivo para dar voz às suas preocupações ou às necessidades dos seus alunos, que lhe pedem com despudorada insistência que abdique de um dia de ordenado para poderem fazer manchetes e clamar vitória para as suas pretensões ao mesmo tempo que o deixam a si e aos seus alunos exactamente na mesma.

Alinhar com uma greve aos exames neste momento e nestas condições, caro professor, é mostrar a sindicalistas dogmáticos mais preocupados com a veiculação de uma doutrina partidária do que com os seus direitos ou as necessidades dos seus alunos que conseguem manipular os professores. E essa é a ambição mais ousada de quem aspira a dominar uma sociedade. Por isso, caro professor, dirijo-lhe um repto humilde, mas esperançoso. Não deixe que lhe roubem a palavra. Não deixe que lhe mintam. Não deixe que lhe digam que não há outras formas de reivindicação. Faça chegar a sua voz ao Ministério, peticione a Assembleia da República, contacte os seus representantes. Mostre que os professores Portugueses, ao contrário dos sindicatos, têm propostas concretas, pragmáticas e razoáveis. Mostre que não precisa de intermediários. Não boicote exames, boicote o Sr. Nogueira. Boicote os sindicalistas que não se preocupam consigo, nem connosco. Não nos desiluda. Mostre que é livre. Mostre que pensa por si. Mostre que é um professor Português.

António Pedro Barreiro, 17 anos