Nos últimos meses, à medida que cada acto eleitoral trazia uma derrota cada vez mais espalhafatosa para o Bloco de Esquerda, muitos especulavam acerca da saída de Louçã. Após treze anos à frente do partido, parecia consensual que a liderança de Louçã era uma das principais causas dos tímidos resultados do Bloco. Gil Garcia disse-o, Daniel Oliveira reiterou-o, Miguel Portas confirmou-o. Esta realidade parecia óbvia para todos, excepto para o próprio Louçã que, apesar de admitir invariavelmente as estrondosas derrotas do partido, nunca retirou delas as ilações necessárias. Foi assim quando o Bloco perdeu as vereações em Lisboa e no Porto, foi assim quando o Bloco foi extirpado de metade do seu grupo parlamentar e foi até assim quando o Bloco foi corrido da Assembleia Legislativa da Madeira: Louçã via o castelo a desmoronar-se, mas parecia continuar a achar-se o único capaz de o reconstruir ou, pelo menos, demasiado orgulhoso para admitir que a derrocada era culpa sua. E, deste modo, o Bloco parecia esgotar-se em Louçã: no autismo de Louçã, na soberba de Louçã, no calculismo político de Louçã.
Foi então que, no passado dia 17 de Agosto, o coordenador do BE disse o que muitos ansiavam por ouvir, numa carta endereçada ao cada vez mais diminuto "povo do Bloco". Depois de treze anos à frente do partido, cinco candidaturas a Primeiro-Ministro e uma candidatura a Presidente da República, Louçã vai mesmo abandonar o barco. A tão antecipada saída não vai, é claro, coincidir com um período pós-eleitoral, para poupar o ainda líder da extrema-esquerda à humilhação de se assumir responsável por mais uma derrota. Louçã sabe que tem de sair, mas, podendo fazê-lo de mansinho, prefere.
Mas Louçã não quer só abandonar o barco de mansinho. Quer poder também escolher o timoneiro. Ou melhor, os timoneiros. Afinal, Louçã sempre soube gerir os destinos do partido melhor do que os militantes...
Louçã com João Semedo, um dos líderes que escolheu para o Bloco.

Louçã sabe que o seu tempo chegou ao fim e sabe que o Bloco precisa de uma renovação, sob pena de se esgotar. E foi por isso que propôs que a direcção do partido fosse assumida por João Semedo e Catarina Martins que, com respectivamente 61 e 39 anos, encaixam no ideal de sangue novo de que o Bloco tão desesperadamente necessita.
Louçã compreende isto melhor do que ninguém, assim como compreende que este novo modelo de direcção responde aos desafios do século XXI. Curioso timing o deste líder que coordena o partido desde 1999 e só na iminência da sua queda se apercebe que passou doze anos agarrado a um modelo de direcção que é apanágio do século passado.
Agora, falta saber se as hierarquias do BE vão cumprir a última vontade de Louçã ou se vão deixar os militantes do Bloco escolher a sua liderança livremente, como falta saber se o fantasma de Louçã vai continuar a assombrar o Bloco, mesmo depois da saída do coordenador.